segunda-feira, 23 de junho de 2014

O segredo...

Sempre me perguntei como se mede amor, como se mensura sucesso, como se quantifica o que se conquistou durante a vida.
Junto com essas perguntas sempre pensei se vale mais à pena valorizar quem não tem nada e fez tudo, ou quem tem tudo e de certo modo fez  alguma coisa também.
Quanto vale o amor?
Nunca tive noção exata até conhecer Maria.
Maria tinha no rosto a expressão de quem não sorria há muito tempo.
Os olhos eram assustados, escondidos por trás de um óculos pesado, de lentes grossas, que claramente denunciavam que os não enxergavam como antigamente.
Maria. Sempre gostei desse nome. Acho simples, singelo, cheio de doçura, e não era diferente com essa Maria.
As mãos de Maria tinham manchas, típicas da idade que carregou, dos filhos que segurou, das lutas que venceu, se tivesse eu, percebido Maria mais cedo, talvez houvesse tempo de saber os detalhes de cada uma daquelas manchas, os fatos que as puseram naquelas mãos que já haviam sido jovens e mais firmes, mas não eram mais, eram mãos simples, marcadas, eram mãos Maria.
Maria passara pela vida quase que despercebida. Origem simples, família simples, um número numa estatística que eu nunca prestei muita atenção.
Tivera filhos, me disse, os quais amou com toda a intensidade, eram diferentes, porém, não os trocaria por nada, essa afirmação era facilmente justificada quando Maria relatou o quanto os sonhou, porque vieram do amor, o amor pelo qual Maria se dedicou, mas que acabara, porque além de todas as fadigas que carregava, perdeu-se de amores e ficou só, sim de solidão entendia.
Era visível que o coração de Maria não sorria. Mas coração sorri? Pensei. Coração sorri quando a intensidade do que faz feliz alcança a alma, a alma de Maria talvez nunca tivera sido feliz.
Observei seus gestos, seu falar, sabia pouco das novidades do mundo, mas era certo que sabia demais da vida. Parecia não saber o que fazer com o que aprendera, mas era Maria, e por ser Maria podia ser perdoada.
Ela falava demais, e eu via que a necessidade era a de ser ouvida.
A vi chorando, certa vez. Um crime. Maria não podia chorar, o que levara Maria a ter tanta dor em seu peito a ponto de sentir-se mal, apenas por existir? Ninguém pode chorar por não saber o seu lugar, nem a quem pertence, muito menos Maria.
Ao perguntá-la o que a deixaria feliz, a resposta quase não se voltou efetivamente para si, a felicidade estava em seguranças para os outros. Compreensível, era Maria, e para Maria não poderia ser diferente.
Como se mede o amor?
Quem merece amor?
Devo eu exaltar suas vitórias ou expor seus fracassos?
Entendi porque Maria não tem um tesouro juntado na vida.
Entendi o porquê tesouros podem ter pesos diferentes para mim e para você.
Vi dor em Maria quando a olhei e com o olhar a julguei como quem passou pela vida e não tem nada, além de solidão.
Me envergonhei.
Quisera todos fossem como Maria.
Quisera eu poder cantar a ela, todos os dias suas qualidades.
Mas não sei de Maria.
Talvez não a veja novamente.
Só sei o que levo em mim de algo Maria, sei do segredo que me contou:
Amor não se mede por quanto você conquistou na vida, nem por quantas vezes você disse que ama a alguém em voz alta.
Amor se mede por lágrimas engolidas, refeições passadas ao outro, noites de trabalho, cuidado com quem se ama.
Aprendi de Maria.
Abracei Maria, na esperança de ser um dia tão digno quanto ela.

E foi assim, que uma Maria mudou a minha vida.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Uma carta

Numa folha sobre a mesa:
“Crescer é entender que as coisas nem sempre acompanham uma ordem natural.
Seguir é saber que há tanto que se deixa no caminho, que num momento, lá na frente, a gente nem acredita que sobreviveu.
Eu amava demais o que eu tinha. Era intenso e real. Eu tinha algo que pensava ser imutável, incorrigível, perfeito.
Acreditei que ao longo da minha vida havia juntado amigos, parceiros de sonhos, e que a nossa história seria sempre intensa, e cheia de amor, até porque de intensidade eu entendo, e de amor, bom metade de mim é amor, e a outra também.
Não que me arrependa de tudo o que fiz. Fiz porque quis, e se o fiz, foi conscientemente.
Me arrependo de ter me prendido a um meio só.
O tempo passou e o inevitável aconteceu, fiquei para trás.
Tudo evoluiu, e eu não. Perdi-me, insanamente nas promessas que fizemos. Errei.
Acontece, que depois de um tempo, recomeçar é tão difícil. O principal pensamento é o de que, pura e simplesmente. não há mais tempo. E há? Será?
Fiquei com os meus frangalhos e o meu cansaço. Fiquei com meus sonhos e minha solidão.
Coloquei todas as cartas na mesa, apostei tudo, e apostei errado.
Mea culpa.
Eu deveria ter visto o óbvio. Eu deveria ter montado o meu kit de sobrevivência, posto tudo numa bolsa e deixado próximo, para usar agora.
Sim, se há um momento para recorrer a algo que me ajude a sobreviver esse é o momento.
Não choro. Não há lagrimas. Há dor. Dores fortes como a do abandono, a de não ser respeitado, a de não ouvir a verdade. E não me refiro a uma verdade subjetiva, nem a uma verdade que quero ouvir, me refiro a verdade reta, sem atalhos e floreios. A verdade que une dois pontos da maneira mais prática e rápida possível. Verdade.
Não havia nenhum contrato entre nós, não éramos regidos por nenhum código, apenas éramos unidos por amor, amizade, fraternidade. Não posso viver acreditando que isso seja tão frágil, tão esgotável.
Enfim, me comprometo, e me comprometo comigo mesmo, a seguir, a sorrir, mas observe, quando puder, o meu sorriso, ele foi mudado. Observe o meu olhar, foi tornado mais raso.
Sigo porque não há outra alternativa.
À mim o recomeço.
À você, o melhor que houver nessa vida.”
Escreveu-me isso, esvaziou as gavetas, levou os retratos e se foi. 
Deixou em mim o talvez...